Hoje é 20 de junho e tem início mais uma Semana do Município.
É a XXXVI Semana de Canguçu.
A um tempo atrás, quando meu filho Gerônimo era pequeno, costumava pedir que eu contasse, na hora de dormir, histórias do tempo em que eu era pequena. Eu, que nem gosto de contar histórias, viajava no tempo, andava pelas ruas de um Canguçu da década de 70, relembrava casas...ruas inteiras,..., lembrando a fachada das casas...revivia pessoas... mas , com certeza, a história que ele mais gostava, já demonstrando seu interesse pela alegria do carnaval, era quando eu comentava do carnaval de rua; ele dizia:-" Conta agora aquela dos bois do tio Arlindo", referindo-se aos bichos que o tio Arlindo Almeida, saudoso carnavalesco da nossa cidade, trazia para a General Osório (rua da frente), para realizar um alegre Carnaval de rua. Tio Arlindo, funcionário público, homem simples, simpático, amigo, prestativo... Que falta fazes tio Arlindo para alegrar o nosso carnaval.
Mas voltando ao tema que me leva a escrever. Quando meu outro filho, Eduardo, manifestou interesse pelas história do passado antes de dormir, resolvi contar de maneira diferente e a cada noite eu criava um pedacinho da história do meu município , para que os dois conhecessem um pouco a História de Canguçu; ao final resultou na história para crianças que passo a contar agora.
(Lembra-se que hoje a teoria que o nome do nosso município resulta da existência de uma espécie de onça existente em nossa terra já não é mais aceita, mas vale a simbologia... a onça está em nosso Brasão, e na minha opinião é lá que deve ficar )
A ONCINHA
ACANGUAÇU
Era uma vez... Sim, era uma
vez , porque toda história que se conta para
crianças começa assim.
Pois bem, era uma vez um livro que caiu de uma
estante em certa biblioteca. O livro ao cair abriu-se e de suas páginas
amareladas pelo tempo saiu uma luz brilhante, primeiro verde, depois amarela e
por fim vermelha... elas dançaram e se misturaram e então se acomodaram,
lindas como bandeira desfraldada ao
vento e ...espere ..., algo mais está se formando!!! O que será ??? Com pelo fofinho,
com manchas escuras... é uma onça ... uma oncinha travessa que vendo-se livre
do livro mágico, sim , esqueci de dizer que o
livro era mágico e a oncinha vendo-se finalmente livre das páginas
encantadas, saltou alegre da luz e, manhosa apresentou-se:
- "Olá amiguinhos"!! Sou a oncinha
Acanguaçu. Por anos vivi aprisionada no encantado mundo do livro mágico, porém,
hoje alguém tirou o livro da estante e eu fiquei livre para contar a vocês
histórias lindas do mundo em que vivo no encantado reino de Canguçu.
-
Quer ouvir?
Quando eu era uma oncinha pequenina
ainda e andava livre pela grande mata, admirava a tribo de índios conhecida como
"Tapes", eles falavam uma língua
estranha, o " guarani"; eu admirava a distancia suas danças, sua vida junto a natureza, a
beleza de sua pele, os seus cabelos, porém, eu tinha tanto medo deles, quanto
eles tinham de mim.
Um dia eu andava distraída quando derrepente...
Ai!... , que susto, um indiozinho estava bem na minha frente , acabamos ficando
amigos e ele me batizou de Acanguaçu, que na língua dele significava , entre
outras definições " Cabeça Grande
". O tempo foi passando e a nossa amizade era cada vez mais forte, até que
um belo dia não vi mais meu amiguinho, fiquei triste, desolada, pois tu sabes
pequenino que ter um amigo é muito importante. Pois bem, procurei meu amiguinho
e não encontrei, custei a compreender que a página tinha virado e que para eu
rever meu amiguinho, precisava começar a ler tudo novamente, mas a curiosidade
pelo que havia nas outras páginas do livro me fizeram avançar para a próxima
página e, quando espiei devagarinho, escondido na margem , pois havia vozes
alteradas, dois homens bem diferentes dos índios brigavam; eu não entendia bem
o motivo da briga, mas parece que os dois queriam ser donos do
mesmo pedaço de terra, até que ouvi falarem em "Nossa Senhora da
Conceição" ... Sim ouvi bem direitinho, e a briga acabou, porque eles
resolveram doar a terra para Nossa
Senhora da Conceição, uma bonita Senhora, cheia de luz, e fizeram para ela
morar uma casinha branca, pequena,
simples mas cheia de paz e, esta Senhora era tão boa, tão querida por todos
naquele lugar que homens e mulheres deixaram suas casas e construíram moradas
novas, próximas a Daquela Senhora tão
boa e, para deixa-la feliz plantaram flores, fizeram uma bonita praça em frente
a sua casinha.
E assim o tempo foi passando, novas casas foram
aparecendo e eu sempre admirando tudo o que acontecia naquela vila, sim, pois
já chamavam o lugar de vila de Canguçu. Mas nem tudo era bonito, lembro que li
em algumas páginas que homens que já eram chamados canguçuenses, pois
haviam nascido ali, pegavam em armas e iam para a guerra, algumas até lembro o
nome: "Guerra do Paraguai, Revolução Farroupilha, Revoluções de 1893 e de
1923. Eram tempos difíceis aqueles, mas os canguçuenses mostraram sua bravura e
coragem, muitos voltaram, outros ficaram presos nestas páginas para sempre.
Lá ficou um amigo que conheci, " Capitão
Henrique José Barbosa", felizmente não esqueceram dele e, lá no fim da
história veremos que ele foi imortalizado no museu da cidade, onde trabalha
esta nova amiga que abriu o livro e me ajuda a contar esta história para vocês.
É gostoso relembrar tantas coisas que ficaram
para trás. A vilinha foi crescendo entre os cerros, a rua principal, poeirenta,
pois ainda não existia o calçamento, abrigava 2 praças centrais, uma enfrente a
Igreja Matriz e outra duas quadras depois, esta acabou sendo engolida pelo
progresso, desta menina que crescia e que, em 1938, passou a ser chamada de
cidade.
Naqueles dias mornos e tranquilos, as lavadeiras
entregavam nas casas as roupas alvas e engomadas, carrocinhas passavam trazendo
em cada porta o pão quentinho para o café, o leite para a criança , a água para
o banho ... sim a água para o banho e para todo o consumo da casa, esqueci de
contar que a água não vinha pelos canos e sim de vertentes naturais; três importantes
cacimbas abasteciam de água a nossa cidade; uma ficava no cerro e duas outras
na cidade, as cacimbas do Ouro e da Prata, isto eu descobri em um dia em que
virei a página do livro e lá no fim de uma enorme ladeira , na beira de um
lindo mato, uma reunião de pessoas em volta de uma construção arredondada
parecendo um forno de pão...pois bem, as pessoas humildes conversavam e riam e
juntavam água em vasilhas, uns colocavam em barris nas carrocinhas, outros em
latas e saiam equilibrando-as na cabeça mas, para onde ia aquela gente,... fui
atrás e vi que toda aquela água era vendida de porta em porta pelas ruas da
cidade, a rua da frente a as duas ruas dos fundos, pois eram só as que
existiam. Lembro também que carroceiros levavam nas casas a lenha para o fogão,
sim, pois não existiam fogões a gás, e esta era atirada para dentro dos pátios
pelos carroceiros que, caprichosos cortavam as achas de lenha todas do mesmo
tamanho. Ai!! Ai!!... Acho que fiquei
muito tempo para a admirar este serviço que já não existe, pois acabo de levar
uma acha de lenha entre minhas pequenas orelhas e, como dói!!
O tempo passou e eu cada vez mais, maravilhada
com todo aquele progresso que eu via nascer pois ainda lembrava claramente da
aldeia dos índios do início da história. Andei pela rua, vi o povo se recolher
e de repente... tudo ficou escuro, não entendi o porque; em outra noite sai e
zás..., ficou tudo escuro de novo, ai compreendi que em determinada hora as
luzes da cidade apagavam todas ao mesmo tempo e que se eu não quisesse ficar no
escuro, teria que me recolher cedo. E assim se passaram vários e vários anos ou
várias e várias páginas.
O cinema reunia jovens, crianças e idosos, era o
grande divertimento da época; primeiro era mudo, depois passou a ser falado,
depois lentamente foi morrendo pois a televisão tomou o seu lugar. No clube
haviam as partidas dançantes, onde homens e mulheres bonitos e bem vestidos
dançavam ao som de bandas musicais como a Lira, a Santa Rosa e a Santa Cecília;
hoje os divertimentos são outros.
Ao virar uma das páginas, enchi meus olhos de
oncinha com a beleza daquele cerro no fim da rua, que majestoso observava a
minha cidade: era o Cerro da Liberdade, sim, da Liberdade pois lá foi dada a
alforria a duas meninas escravas em homenagem aos canguçuenses que retornaram
da Guerra do Paraguai. Mas, virei a página e já não vi mais o majestoso cerro,
parece que o progresso também o engoliu.
Nesta nova página, fiquei fascinada por ver algo
tão diferente, eu já conhecia o automóvel, pois no reino de Canguçu já haviam
alguns, mas aquilo que eu vi era muito maior, andava sobre trilhos, e soltava
fumaça... fiquei olhando, olhando e não resisti...pulei na janelinha e
escondidinha admirei a paisagem, o vento batendo em meus bigodes e arrepiando
meu pelinho...A viagem estava tão boa que dormi, quando acordei estava em um
reino muito maior, fiquei sabendo que era Pelotas, fiquei assustada com todo
movimento, porém, procurei me acalmar, pois nesta hora desespero não resolve,
então ouvi alguém gritar.
-A Maria Fumaça voltará em breve para o reino
encantado de Canguçu!!
Ufa!!! Que alívio, escondi-me novamente e quando
menos esperei ela estava em movimento e eu, curiosa não perdi de admirar a bela
paisagem até chegar em casa. Foi uma aventura e tanto.
Dormi uma ótima noite de sono, acomodada em meu
solo canguçuense, quando acordei por páginas e páginas vi grandes mudanças,
minha cidade havia crescido muito, já não
existia a mesma tranqüilidade, as luzes já não apagavam mais a meia noite, as
aguateiras, as lavadeiras e engomadeiras haviam sumido, sim, já não havia mais
lugar para elas nestas novas páginas, pois a água já era encanada e as máquinas
de lavar, vendidas num comércio agora farto e gerador de muitos empregos
tomaram seus lugares.
Surpresa mesmo eu tive quando vi que as notícias
na minha cidade corriam rápidas, graças as duas rádios que surgiram, elas
alegravam a vida de todos com músicas e também transmitiam as notícias com
rapidez, ao lado delas surgiram os jornais, mas parece que os homens dessa
terra não gostam de registrar os fatos que aqui ocorrem, pois os jornais
normalmente são de curta duração. Em uma página vi um alegre carnaval nas ruas,
com mascarados e bichos enormes que
encantavam a criançada, vi torneios de futebol entre os 3 times mais populares
da cidade América, Cruzeiro e Canguçuense, vi o movimento tradicionalista que
crescia, cultuando nossas raízes, vi tantas coisas nestas 150 páginas que
folhei...
Mas vamos em frente, dei uma espiada nas últimas
páginas que estavam escritas e vi muitas e muitas ruas que corriam em todos os
sentidos, meus olhos buscaram em volta a tranqüilidade dos arroios correndo
mansamente, o canto dos pássaros, as tardes de sesta mas estas já não
existem, minha cidade cresce muito, carros quebram o silêncio , as crianças já
não brincam brincadeiras de roda, de carrinho nas decidas ou com bonecas de
pano, elas agora jogam jogos eletrônicos
ou navegam na internet, parecem adultos,
tem opinião própria, e sabem desde pequenas o que querem para o futuro.
Gostei de haver folhado o livro da história,
relembrei tantas coisas, aprendi outras tantas, porém amiguinho, minha história
não termina aqui, existem muitas páginas em branco no livro encantado que
deverão ser escritas por ti , por teus
coleguinhas e todos aqueles que tiverem sensibilidade para registrar sua
presença.
Agora preciso ir... alguém me chama... será a
voz dos antepassados? Sim pode ser pois todos os que passaram pelo Reino
Encantado de Canguçu ainda estão aqui, cada um preso na sua respectiva página,
mas todos muito felizes porque o livro foi aberto e eu consegui mostrar para
vocês esta história.
Dizendo isto a oncinha, de um salto entrou no
mosaico tricolor que pairava sobre a última página escrita do livro, no
emaranhado de cores vermelha, verde e amarelas vi-a correndo feliz pelos campos
e entrar na mata. As cores foram enfraquecendo e um hino se fez ouvir, era uma
homenagem não a minha amiga a quem os índios guaranis chamaram Acanguaçu, mas aquele reino encantado, bela joia de
nosso país ... referiam-se aos heróis que tombaram neste chão as valorosas mulheres
, o trigo que saciou nossa fome, hoje terra farta, bela, e em paz, que nos
inspira o amor, a igualdade, a honradez, justiça e perfeição. Quando o
hino acabou senti uma saudade imensa
daquele bichinho manhoso e fofinho que me contou toda esta história, depois
entendi que ela era o coração do meu município e que estaria sempre comigo,
mesmo que eu aqui já não estivesse pois sou e serei sempre canguçuense.
O livro mágico não voltou mais para a estante e
continua aberto convidado a todos para aqui registrarem a sua presença nesta
história.
Venha... seja um grande homem, uma grande
mulher... ou seja simplesmente um canguçuense honrado, que ama sua terra e que
tudo fará para vê-la crescer com harmonia e paz.
Autoria de Miriam Zuleica
Reyes Barbosa- escrita em 2007 nos 150 anos de Canguçu.
Parabéns meu Canguçu pelos teus 156 anos de uma bela e valiosa história!
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