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quinta-feira, 20 de junho de 2013

Uma história para crianças

         Hoje  é 20 de junho e tem início mais uma Semana do Município.

É a XXXVI Semana de Canguçu.

          A um tempo atrás, quando meu filho Gerônimo era pequeno, costumava pedir que eu contasse, na hora de dormir, histórias do tempo em que eu era pequena. Eu, que nem gosto de contar histórias, viajava no tempo, andava pelas ruas de um Canguçu da década de 70, relembrava casas...ruas inteiras,..., lembrando a fachada das casas...revivia pessoas... mas , com certeza, a história  que ele mais gostava, já demonstrando seu interesse pela alegria do carnaval, era quando eu comentava do carnaval de rua; ele dizia:-" Conta agora aquela dos bois do tio Arlindo", referindo-se aos bichos que o tio Arlindo Almeida, saudoso carnavalesco da nossa cidade, trazia para a General Osório (rua da frente), para realizar um alegre Carnaval de rua.  Tio Arlindo, funcionário público, homem simples, simpático, amigo, prestativo... Que falta fazes tio Arlindo para alegrar o nosso carnaval. 
           Mas voltando ao tema que me leva a escrever. Quando meu outro filho, Eduardo, manifestou interesse pelas história do passado antes de dormir, resolvi contar  de maneira diferente e a cada noite eu criava um pedacinho da  história do meu município , para que os dois conhecessem um pouco a História de Canguçu; ao final resultou na história para crianças que passo a contar agora. 

(Lembra-se que hoje a teoria que o nome do nosso município resulta da existência de uma espécie de onça existente em nossa terra já não é mais aceita, mas vale a simbologia... a onça está em nosso Brasão, e na minha opinião é lá que deve ficar )


A ONCINHA ACANGUAÇU


                     Era uma vez... Sim, era uma vez , porque toda história que se conta para   crianças começa assim.
                     Pois bem, era uma vez um livro que caiu de uma estante em certa biblioteca. O livro ao cair abriu-se e de suas páginas amareladas pelo tempo saiu uma luz brilhante, primeiro verde, depois amarela e por fim vermelha... elas dançaram e se misturaram e então se acomodaram, lindas  como bandeira desfraldada ao vento e ...espere ..., algo mais está se formando!!! O que será ??? Com pelo fofinho, com manchas escuras... é uma onça ... uma oncinha travessa que vendo-se livre do livro mágico, sim , esqueci de dizer que o  livro era mágico e a oncinha vendo-se finalmente livre das páginas encantadas, saltou alegre da luz e, manhosa apresentou-se:
                     - "Olá amiguinhos"!! Sou a oncinha Acanguaçu. Por anos vivi aprisionada no encantado mundo do livro mágico, porém, hoje alguém tirou o livro da estante e eu fiquei livre para contar a vocês histórias lindas do mundo em que vivo no encantado reino de Canguçu.
-         Quer ouvir?
                      Quando eu era uma oncinha pequenina ainda e andava livre pela grande mata, admirava a tribo de índios conhecida como "Tapes", eles  falavam uma língua estranha, o " guarani"; eu admirava a distancia  suas danças, sua vida junto a natureza, a beleza de sua pele, os seus cabelos, porém, eu tinha tanto medo deles, quanto eles tinham de mim.
                     Um dia eu andava distraída  quando derrepente... Ai!... , que susto, um indiozinho estava bem na minha frente , acabamos ficando amigos e ele me batizou de Acanguaçu, que na língua dele significava , entre outras definições "  Cabeça Grande ". O tempo foi passando e a nossa amizade era cada vez mais forte, até que um belo dia não vi mais meu amiguinho, fiquei triste, desolada, pois tu sabes pequenino que ter um amigo é muito importante. Pois bem, procurei meu amiguinho e não encontrei, custei a compreender que a página tinha virado e que para eu rever meu amiguinho, precisava começar a ler tudo novamente, mas a curiosidade pelo que havia nas outras páginas do livro me fizeram avançar para a próxima página e, quando espiei devagarinho, escondido na margem , pois havia vozes alteradas, dois homens bem diferentes dos índios brigavam; eu não entendia bem o motivo da briga, mas parece que os dois queriam ser donos do mesmo pedaço de terra, até que ouvi falarem em "Nossa Senhora da Conceição" ... Sim ouvi bem direitinho, e a briga acabou, porque eles resolveram doar a terra para  Nossa Senhora da Conceição, uma bonita Senhora, cheia de luz, e fizeram para ela morar uma casinha  branca, pequena, simples mas cheia de paz e, esta Senhora era tão boa, tão querida por todos naquele lugar que homens e mulheres deixaram suas casas e construíram moradas novas, próximas a  Daquela Senhora tão boa e, para deixa-la feliz plantaram flores, fizeram uma bonita praça em frente a sua casinha.
                     E assim o tempo foi passando, novas casas foram aparecendo e eu sempre admirando tudo o que acontecia naquela vila, sim, pois já chamavam o lugar de vila de Canguçu. Mas nem tudo era bonito, lembro que li em algumas páginas  que homens  que já eram chamados canguçuenses, pois haviam nascido ali, pegavam em armas e iam para a guerra, algumas até lembro o nome: "Guerra do Paraguai, Revolução Farroupilha, Revoluções de 1893 e de 1923. Eram tempos difíceis aqueles, mas os canguçuenses mostraram sua bravura e coragem, muitos voltaram, outros ficaram presos nestas páginas para sempre.
                 Lá ficou um amigo que conheci, " Capitão Henrique José Barbosa", felizmente não esqueceram dele e, lá no fim da história veremos que ele foi imortalizado no museu da cidade, onde trabalha esta nova amiga que abriu o livro e me ajuda a contar esta história para vocês.
               É gostoso relembrar tantas coisas que ficaram para trás. A vilinha foi crescendo entre os cerros, a rua principal, poeirenta, pois ainda não existia o calçamento, abrigava 2 praças centrais, uma enfrente a Igreja Matriz e outra duas quadras depois, esta acabou sendo engolida pelo progresso, desta menina que crescia e que, em 1938, passou a ser chamada de cidade.
         Naqueles dias mornos e tranquilos, as lavadeiras entregavam nas casas as roupas alvas e engomadas, carrocinhas passavam trazendo em cada porta o pão quentinho para o café, o leite para a criança , a água para o banho ... sim a água para o banho e para todo o consumo da casa, esqueci de contar que a água não vinha pelos canos e sim de vertentes naturais; três importantes cacimbas abasteciam de água a nossa cidade; uma ficava no cerro e duas outras na cidade, as cacimbas do Ouro e da Prata, isto eu descobri em um dia em que virei a página do livro e lá no fim de uma enorme ladeira , na beira de um lindo mato, uma reunião de pessoas em volta de uma construção arredondada parecendo um forno de pão...pois bem, as pessoas humildes conversavam e riam e juntavam água em vasilhas, uns colocavam em barris nas carrocinhas, outros em latas e saiam equilibrando-as na cabeça mas, para onde ia aquela gente,... fui atrás e vi que toda aquela água era vendida de porta em porta pelas ruas da cidade, a rua da frente a as duas ruas dos fundos, pois eram só as que existiam. Lembro também que carroceiros levavam nas casas a lenha para o fogão, sim, pois não existiam fogões a gás, e esta era atirada para dentro dos pátios pelos carroceiros que, caprichosos cortavam as achas de lenha todas do mesmo tamanho. Ai!! Ai!!...  Acho que fiquei muito tempo para a admirar este serviço que já não existe, pois acabo de levar uma acha de lenha entre minhas pequenas orelhas e, como dói!!
                O tempo passou e eu cada vez mais, maravilhada com todo aquele progresso que eu via nascer pois ainda lembrava claramente da aldeia dos índios do início da história. Andei pela rua, vi o povo se recolher e de repente... tudo ficou escuro, não entendi o porque; em outra noite sai e zás..., ficou tudo escuro de novo, ai compreendi que em determinada hora as luzes da cidade apagavam todas ao mesmo tempo e que se eu não quisesse ficar no escuro, teria que me recolher cedo. E assim se passaram vários e vários anos ou várias e várias páginas.
             O cinema reunia jovens, crianças e idosos, era o grande divertimento da época; primeiro era mudo, depois passou a ser falado, depois lentamente foi morrendo pois a televisão tomou o seu lugar. No clube haviam as partidas dançantes, onde homens e mulheres bonitos e bem vestidos dançavam ao som de bandas musicais como a Lira, a Santa Rosa e a Santa Cecília; hoje os divertimentos são outros.
              Ao virar uma das páginas, enchi meus olhos de oncinha com a beleza daquele cerro no fim da rua, que majestoso observava a minha cidade: era o Cerro da Liberdade, sim, da Liberdade pois lá foi dada a alforria a duas meninas escravas em homenagem aos canguçuenses que retornaram da Guerra do Paraguai. Mas, virei a página e já não vi mais o majestoso cerro, parece que o progresso também o engoliu.
                    
                Nesta nova página, fiquei fascinada por ver algo tão diferente, eu já conhecia o automóvel, pois no reino de Canguçu já haviam alguns, mas aquilo que eu vi era muito maior, andava sobre trilhos, e soltava fumaça... fiquei olhando, olhando e não resisti...pulei na janelinha e escondidinha admirei a paisagem, o vento batendo em meus bigodes e arrepiando meu pelinho...A viagem estava tão boa que dormi, quando acordei estava em um reino muito maior, fiquei sabendo que era Pelotas, fiquei assustada com todo movimento, porém, procurei me acalmar, pois nesta hora desespero não resolve, então ouvi alguém gritar.
                  -A Maria Fumaça voltará em breve para o reino encantado de Canguçu!!
                   Ufa!!! Que alívio, escondi-me novamente e quando menos esperei ela estava em movimento e eu, curiosa não perdi de admirar a bela paisagem até chegar em casa. Foi uma aventura e tanto.
                  Dormi uma ótima noite de sono, acomodada em meu solo canguçuense, quando acordei por páginas e páginas  vi grandes mudanças, minha cidade havia crescido muito, já não existia a mesma tranqüilidade, as luzes já não apagavam mais a meia noite, as aguateiras, as lavadeiras e engomadeiras haviam sumido, sim, já não havia mais lugar para elas nestas novas páginas, pois a água já era encanada e as máquinas de lavar, vendidas num comércio agora farto e gerador de muitos empregos tomaram seus lugares.
                   Surpresa mesmo eu tive quando vi que as notícias na minha cidade corriam rápidas, graças as duas rádios que surgiram, elas alegravam a vida de todos com músicas e também transmitiam as notícias com rapidez, ao lado delas surgiram os jornais, mas parece que os homens dessa terra não gostam de registrar os fatos que aqui ocorrem, pois os jornais normalmente são de curta duração. Em uma página vi um alegre carnaval nas ruas, com mascarados e bichos  enormes que encantavam a criançada, vi torneios de futebol entre os 3 times mais populares da cidade América, Cruzeiro e Canguçuense, vi o movimento tradicionalista que crescia, cultuando nossas raízes, vi tantas coisas nestas 150 páginas que folhei...
                  Mas vamos em frente, dei uma espiada nas últimas páginas que estavam escritas e vi muitas e muitas ruas que corriam em todos os sentidos, meus olhos buscaram em volta a tranqüilidade dos arroios correndo mansamente, o canto dos pássaros, as tardes de sesta  mas estas já não existem, minha cidade cresce muito, carros quebram o silêncio , as crianças já não brincam brincadeiras de roda, de carrinho nas decidas ou com bonecas de pano, elas agora jogam  jogos eletrônicos ou navegam na internet,  parecem adultos, tem opinião própria, e sabem desde pequenas o que querem para o futuro.
                Gostei de haver folhado o livro da história, relembrei tantas coisas, aprendi outras tantas, porém amiguinho, minha história não termina aqui, existem muitas páginas em branco no livro encantado que deverão ser escritas por ti , por  teus coleguinhas e todos aqueles que tiverem sensibilidade para registrar sua presença.
                  Agora preciso ir... alguém me chama... será a voz dos antepassados? Sim pode ser pois todos os que passaram pelo Reino Encantado de Canguçu ainda estão aqui, cada um preso na sua respectiva página, mas todos muito felizes porque o livro foi aberto e eu consegui mostrar para vocês esta história.
               Dizendo isto a oncinha, de um salto entrou no mosaico tricolor que pairava sobre a última página escrita do livro, no emaranhado de cores vermelha, verde e amarelas vi-a correndo feliz pelos campos e entrar na mata. As cores foram enfraquecendo e um hino se fez ouvir, era uma homenagem não  a minha amiga a quem os índios guaranis chamaram Acanguaçu, mas aquele reino encantado, bela joia de nosso país ... referiam-se aos heróis que tombaram neste chão as valorosas mulheres , o trigo que saciou nossa fome, hoje terra farta, bela, e em paz, que nos inspira o amor, a igualdade, a honradez, justiça e perfeição. Quando o hino  acabou senti uma saudade imensa daquele bichinho manhoso e fofinho que me contou toda esta história, depois entendi que ela era o coração do meu município e que estaria sempre comigo, mesmo que eu aqui já não estivesse pois sou e serei sempre canguçuense.
               O livro mágico não voltou mais para a estante e continua aberto convidado a todos para aqui registrarem a sua presença nesta história.
                    Venha... seja um grande homem, uma grande mulher... ou seja simplesmente um canguçuense honrado, que ama sua terra e que tudo fará para vê-la crescer com harmonia e paz.


Autoria de Miriam Zuleica Reyes Barbosa- escrita em 2007 nos 150 anos de Canguçu.

Parabéns meu Canguçu pelos teus 156 anos de uma bela e valiosa história!

domingo, 9 de junho de 2013

O tempo passa...

       Hoje recebi uma visita que resultou em uma saudade muito gostosa de minha infância. Logo pela manhã visitou minha casa o querido amigo Álvaro Luiz Amaral, o Alvinho; colega desde a Pré-escola, vizinho, companheiro de travessuras quando crianças.

    Relembramos muitos momento felizes da infância. Lembramos quando ele gineteava, montado em uma abóbora de pescoço que meu pai havia trazido de fora, enquanto minha tia Zifa e a  Sera (Serafina) conversavam animadas e eu, aos tapas, queria que ele saísse de cima da abóbora para não estragar. Lembrei de um aniversário dele em que havia um parquinho ou circo montado em cima do bolo; eu muito encabulada pois estava na casa da diretora da minha escola ( Grupo Escolar Irmãos Andradas) e não podia fazer feio. Nesta mesma festa minha mãe e a dona Zelinha, sentadas em um sofá grande de cor clara, faziam planos para o nosso baile de debutantes ( meu e da Raquel, outra querida amiga, que embora more em frente a minha casa, quase não nos vemos, o que lastimo muito, pois tenho por ela uma grande amizade... é a falta de tempo).

    Lembramos de toda a molecada da quadra, dos brinquedos na fábrica de fumos do Sr. Macóta ( Fábrica de Fumos XIRU), quando correndo em fila, atravessávamos a fábrica para nos atirarmos nas folhas de fumo que ficavam no pátio, (acho que para secar) logo depois de uma porta alta por onde nos atirávamos; aquilo era uma diversão, saiamos de lá sujos, cheirando a fumo mas felizes por podermos realizar uma brincadeira, a nosso ver, tão gostosa. Nunca ouvimos do Sr. Macóta qualquer repreensão ou pedido para que saíssemos de lá. Era um tempo diferente aquele; acredito que hoje ninguém gostaria que uma turma de mais de 10 crianças invadissem uma fábrica para brincar, mesmo que o filho do dono estivesse brincando junto.

      Conversamos muito, lembramos muitas travessura, mas quando ele foi embora fiquei com aquele sentimento estranho,  aquela lembrança gostosa, aquela saudade que aperta o coração. Lembrei da dona Neuza, querida, elegante, sempre com suas saias justas e casaquinho, vestia-se sempre com elegância. Pois bem... dona Neuza... seus casaquinhos e saias justas, seus sapatos de salto e sua simpatia. Incrível como o Alvinho se parece com ela, a mesma cor, os olhos vivos, inteligentes, o cabelo escuro e crespo, a mesma alegria... Saudades dona Neuza, tão querida... Dona Ida Duarte e ela eram grandes amigas lembro delas sempre juntas. 
       Quando eu era adolescente trabalhei no Salão de Beleza da Marilaine, como manicure, fazia as unhas das duas amigas todas as semanas. A dona Neuza pintava sempre com a mesma cor  “Zazá” da Colorama; era uma cor lilás, e eu tinha que ter sempre, pois ela não trocava a cor.  Boas lembranças... Eu gosto de sentir esta saudade que aperta o peito, porque elas me trazem estas pessoas queridas para perto, me lembra que viver é muito importante e, que tanto estamos aqui, como já estamos em outro plano... Que bom quando também lembrarem de nós e sentirem esta saudade que dói no peito, sinal que deixamos boas lembranças.



                   Neuza Paes do Amaral

           Diretora do Grupo Escolar Irmãos Andradas 







          Foto: Arquivo fotográfico do Museu Municipal 
                   Capitão Henrique José Barbosa