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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Em tempos de seca - "Água pura e cristalina"

Particularmente acho muito gostoso escrever sobre a minha cidade, também nunca tentei escrever sobre mais nada que não fosse aquilo que me toca o coração.
Sou uma pessoa saudosista, gosto de poesia, de fotografia, de lembranças e, onde eu acharia toda essa combinação? Com certeza em um Museu. Sim, eu encontrei muito do que buscava, nos quase 12 anos que trabalhei no Museu Capitão Henrique José Barbosa; descobri muita beleza, e novidades históricas, antes desconhecidas para mim e tenho certeza, para a maioria dos canguçuenses. Todas estas fotos lindas de um Canguçu do passado que circulam nos computadores, ai estão porque eu não consegui deixá-las escondidas como sempre estiveram, em uma caixa, atrás de um armário. Eu as descobri e me apaixonei por todas elas, e com apoio do Secretário de Cultura da época, Andrio Aguiar Duarte, que acreditou no meu trabalho e investiu na informatização do nosso Museu, organizei-as em álbuns, scaniei-as, dando vida a estas imagens maravilhosas que hoje enchem os olhos dos que, como eu, enxergam a beleza desta cidade ( sinto apenas por não ter conseguido terminar o trabalho de informatização do Museu... fazer o que?) . Alegro meus olhos quando vejo estas fotografias, porém, morro de ciúme quando aparecem simplesmente jogadas em computadores, para todos olharem, sem fazer referência a sua história. Por isso sempre que escolho com carinho uma fotografia para que vocês possam apreciar procuro escrever algo sobre ela, para que mais pessoas possam também reservar no coração um cantinho para esta cidade tão nossa.

CACIMBA DA PRATA





Foto: Arquivo fotográfico do Museu Municipal Capitão Henrique José Barbosa



A cacimba da Prata, hoje esquecida, durante muitos anos abasteceu a cidade e serviu de fonte de emprego a muitos aguateiros. Hoje se encontra soterrada, em terreno pertencente ao Sr. Pedro Boemeke, no local onde o mesmo possui um depósito de materiais de construção, no passado conhecido com Madeireira da Prata.
Construída em 1902 pelo intendente Coronel Hipólito Gonçalves da Silva, a cacimba da Prata ainda é muito confundida com a cacimba do Ouro. Além de sua importância como reservatório de água, a Cacimba da Prata, cujo nome ninguém sabe a origem, encerra em si uma lenda curiosa: "Visitante que bebesse de sua água sempre voltaria a Canguçu".
Possuía aquedutos em estilo romano, por onde era conduzida a água de um cerro próximo. A água que vinha de sua nascente era acumulada durante a noite em seu reservatório, de onde era distribuída para toda a cidade.
Em 1941, quando uma terrível seca assolou a cidade e todas as demais vertentes secaram, a Cacimba da Prata abasteceu, com sua água límpida e fresca, todas as casas de Canguçu. Suas torneiras mal conseguiam alimentar as intensas filas que se formavam para o recolhimento de água.
Francisco Freitas, antigo morador, lembra que pessoas ganhavam a vida carregando água em latas ou pipas. Eram poucas as famílias que tinham poço em seu quintal. Desta forma alguns carregadores tinham seus fregueses certos, onde, dependendo da periodicidade, era cobrada uma taxa por dia ou por mês.
Outro antigo morador, Mozart Madeira de Oliveira, lembra inclusive de algumas pessoas que durante muito tempo carregaram água: seu João, que embora praticamente cego, fazia o carregamento numa pipa puxada por um burro, Liundina Fonseca ( Lindinha), carregou água té os 72 anos, puxando uma pipa de vinte litros, com a qual abastecia mais de 20 famílias. Dona Lindinha, conforme o senhor Mozart, desde a madrugada já se encontrava na cacimba juntando água e interrompia seu serviço quando chegava à noite. Como o terreno onde se localizava o reservatório ficava em lugar elevado e ela tivesse idade bastante avançada, os "moleques " que também carregavam água a auxiliava a conduzir sua pipa até a cacimba.
Em 1952, na administração do Sr. Conrado Ernani Bento, a cacimba foi restaurada pelo Sr. Carlos Quettz. Nesta ocasião ela perdeu sua forma antiga, deixando de apresentar sua parte superior.
A partir de 1966, a cacimba da Prata começou a ser menos procurada. Este ano marcou a implantação da CORSAN em Canguçu e os primeiros encanamentos de água potável começaram já a servir algumas residências.

FONTE: Notícia do jornal "O Canguçuense" - Arquivo : 1 - Pasta: História
Museu Hist. Mun. Capitão Henrique José Barbosa


Segundo Céres da Rosa Goulart, em seu livro, "Pálidos traços da História de Cangussu":


"Desde os primórdios de Cangussu, desde a vila até acanhada e pequena cidade, o suprimento de água nas casas de família e nos hotéis, que na época não eram mais de dois, esteve a cargo das aguateiras."


"Um grupo de mulheres, sem recursos e sem herança a esperar, adotou a profissão de carregar água. Elas abriam um saco branco, daqueles de açúcar ou uma roupa velha, fora de uso e enrolavam mais ou menos como uma cobra grossa, que colocavam sobre a cabeça, onde equilibravam uma lata daquelas que vinham com querosene, cheias de água. Isto servia para amenizar o impacto da lata, do peso que carregavam. Caminhavam a passos lentos,olhando para frente, a lata sobre a cabeça um tanto inclinada e que nunca virava, tal a prática que adquiriam. Impossível calcular quantas vezes faziam o trajeto das cacimbas às casas e vice-versa, durante o dia. Primeiro ia a água para os hotéis e depois para as casas de família. E assim, de lata em lata elas enchiam barris, talhas de barro ou quaisquer outro recipientes que lhes era oferecido pelas donas de casa, o suficiente para o gasto de um dia inteiro. O trabalho delas começava com o clarear do dia e só terminava quando o sol ia se escondendo. Um trabalho duro, pesado, tão humilde quanto indispensável, com o que elas garantiam o suado e chorado pão de cada dia".

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Lembrança em dia de chuva

Em dias chuvosos como hoje, gosto de ler, de abrir o baú das lembranças, dar asas a imaginação, gosto de relembrar , de voltar no tempo e rever imagens, histórias e pessoas. Hoje lendo o que escreveu uma querida amiga, Céres da Rosa Goularte em seu livro "Pálidos traços da História de Cangussu", sobre a sociedade canguçuense nas primeiras décadas do século XX:
"Os cangussuenses sempre souberam viver em sociedade, à moda vigente trajar-se e cultivavam a cultura."
"No tempo em que a moda era ditada para o mundo por Paris, os figurinos e a competência das profissionais garantiam o bem vestir da sociedade. Quando da visita de pessoas ilustres, como aquelas que se destacavam na política, ou mesmo simples visitantes de posição, ninguém fazia feio nas festas ou solenidades..."
Continuando: "Os alfaiates confeccionavam as roupas masculinas. As camisas eram brancas, de punhos e colarinhos muito bem engomados, trabalho cuidado pelas lavadeiras e passadeiras, com o devido esmero..."
E ainda: "As roupas femininas eram feitas em sua totalidade, pelas costureiras. Eram exímias em sua profissão e trabalhavam muito...
... "As costureiras observavam com aptidão e bom gosto os modelos, medidas exatas, acabamento esmerado. Incluiam as roupas de passeio e as destinadas as festas, mais simples ou mais sofisticadas. Desde os primórdios foi assim."
... "Os homens e as mulheres brilhavam nas festas. As aguateiras garantiam o banho das famílias e as costureiras encarregavam-se do aspecto exterior. Era uma vida difícil, não resta a menor dúvida mas o povo vivia bem e amava o seu chão natal. Se o começo da vida em Cangussu foi difícil, foi também, nobre, valoroso, forte e bonito."

Retirado do livro - Pálidos traços da História de Cangussu ( págs 17 -20 ) de autoria de Céres da Rosa Goularte



Depois de ler estas páginas, fechei os olhos e com saudades lembrei de Dona Quinotinha Mattos ( se não me engano seu nome era Joaquina), mãe do professor Joé Mattos. Era costureira e uma figura realmente inesquecível, pois seus traços, sua personalidade e sua estatura eram marcantes... Era pequena, muito miúda, parecia pouco maior que eu no tempo que estou lembrando ( na época eu deveria ter 7 anos ) sempre bem arrumada, saias justas e sapatos de salto. Lembro de vê-la com uma saia xadrezinho de preto, cinza e branco e camisa branca de jabot, mas o que mais me chamava a atenção eram seus sapatos, muito pequenos, pareciam de criança, acho que ela calçava o número 33.
Sua casa ainda existe, e se localiza quase em frente a minha casa; Era uma casa escura com granitina ( não sei dizer o que era, mas era assim que chamavam aquelas casas com reboco escuro e com um certo brilho). A fachada tinha duas janelas e uma porta central, na peça da esquerda era o seu ateliê de costura, lembro de uma mesa quadrada, daquelas pesadas e com duas hastes de cada lado e quando abertas sustentavam duas outras partes ( chamavam de folhas) ficando a mesa, assim, com o dobro do tamanho, os banquinhos pintados de branco, duas máquinas de costura daquelas pretas, antigas, de pedal, onde ela confeccionava os modelos escolhidos pelas freguesas; os figurinos ficavam empilhados em cima de uma mesinha no seu quarto que era separado da sala de costura por um guarda-roupas com flores entalhadas na porta. Lembro ainda de um cesto próximo da mesa onde ela guardava os retalhos que sobravam. Eu gostava de sentar embaixo da mesa, fazendo roupinhas para as minhas bonecas com os paninhos que ela me dava.
Dona Quinotinha costurava muito e minha avó Jacy às vezes ajudava fazendo bainhas e alinhavos; lembro de trabalharem com ela a Maria Marques e a Marfa , que depois casou com o Sr. Hélio Mattos ( ele era irmão da Dona Maria, Mozinha e Geraldo Mattos que, se eu não me engano, eram filhos do primeiro casamento do marido da dona Quinotinha. Eu não conheci o pai do professor Joé).
Na janela da direita era o quarto das penssionistas, meninas que vinham do interior para estudar na cidade, entre elas lembro da Céres e da Inês.
Dona Quinotinha andava sempre com um molho de chaves em uma argolinha, pendurada no cinto; era uma figura diferente seu rosto tinha fortes marcas de expressão, seu cabelo curto era escuro e seu rosto era emoldurado por óculos de armação preta.
Lembro da casa, da costureira, da tesoura de cortar costuras ( daquelas grandes pretas e pesadas), lembro também de algumas freguesas, entre elas eu admirava a Dona Yonne Bento, sempre elegante, bem vestida, com aqueles sapatos de saltos muito altos ( como até hoje).
Minha mãe sempre dizia: “- Dona Quinotinha é ótima costureira, porém, nunca faz o modelo que a gente escolhe, sempre diz – “Mudei porque este te senta melhor”.


Saudades Dona Quinotinha! Desejo que esteja bem onde estiver.



Moças da sociedade canguçuense, com certeza usando modelos confeccionados pelas mãos habilidosas de nossas costureiras do passado.



Foto: Arquivo fotográfico do Museu Municipal Capitão Hnrique José Barbosa



Só mais uma lembrança: Minha amiga, Marlene Coelho, dizia: "_ Depois que as mulheres passaram a usar tênis e calças Jeans, perderam a elegância". Acho que ela tinha razão!